sexta-feira, 13 de março de 2009

Eu tinha doze anos quando nossa mãe enlouqueceu.

Ela passava as tardes sentada no sofá, mexendo as mãos bem rápido, como se
fizesse tricô. Mas não havia lã, linhas ou agulhas. Ficávamos em volta, eu e meu
irmão.

Não muito perto, por que não podíamos mostrar o que estávamos fazendo ali, o dia
todo: cuidando para que não corresse.

O pai chegava ao fim do dia, perguntando, sempre carinhoso: Como foi seu dia, meu
amor? E ela respondia: Hoje nos divertimos muito, fomos até a loja da esquina e
compramos jornais. Mas voltamos antes do Roberto morrer.

Não existia Roberto, e nunca morria ninguém. Mas todos os dias, alguém, para minha
mãe, naquele pequeno mundo dela, morria dolorosamente.

Nosso pai, já acostumado com o que chamava de 'gatinhos de mamãe', ouvia
atentamente como se dera a morte, como se comportaram os familiares e como ficaram
os filhos. Só depois de ouvir o relato resumido de uma vida que não existiu, ele
levantava, beijava-a e subia para tomar banho. Ela nos olhava como se estivesse
tudo bem e ia dormir.

Raramente víamos mamãe comer. Era de uma palidez deprimente.

O pai saía trabalhar muito cedo, bem antes de acordarmos. Meu pai morreu de uma
forma engraçada, e até o dia de sua morte, eu só lembrava de outro momento
engraçado com ele. Um dia, meu irmão e eu acordamos antes dele e ficamos espiando
seus movimentos pela casa vazia. Ao chegar à cozinha, abriu a porta do congelador,
tirou duas pedras de gêlo e colocou dentro da cueca. Eu lembro dele, revirando os
olhos, e hoje só consigo entender o que ele sentiu, quando faço o mesmo, todas as
manhãs.

Já procurei em todos os livros e até agora não descobri para que serve colocar
gêlos na cueca, ao despertar. Contudo, não observei nenhum efeito colateral na
atividade: continuo colocando gêlos na cueca, religiosamente.

Em todos os dias, antes de meu pai morrer, minha mãe contava-lhe sobre a morte de
alguém. Aos finais de semana, morriam de doze a trezes pessoas. A presença de meu
pai em casa agitava ainda mais nossa mãe. Sempre achamos que a saída para a sua
angústia era matar aqueles pobre coitados que nunca nasceram.

Meu irmão Lucas saiu de casa, uma tarde, para comprar alguma coisa e demorou para voltar. Nosso pai, ao chegar em casa e dar falta dele, perguntou à mamãe onde estava Lucas. Ficou parada, sem responder. Papá me olhou. Fiz que não sabia.