Penso que nessas peças e chaves não temi coração. Explico: nessas peças que o destino, o qual não acredito, nessas peças que o destino me pregou, entre nós, como portas sem chaves, nunca temi o que me quis dizer o coração.
Não temi por que desde o sempre o sabia. Desde o sempre lhe ouvia e tinha certezas.
Mas veja que estes dias sorri por que lembrei que sempre soube: homens bons sabem cozinhar. Isto quer dizer, eu e você sabemos que as pessoas boas sabem cozinhar.
Antes de tudo, por que é de paciências e é de carinhos. É de intimidade com as coisas, frutas, águas e vinhos. Sal e açúcar. Um pouquinho de cada que faz o tudo - como um amor novo que antes era paixão. Translúcidos beijos como ingredientes, paciências e carinho fermentando. E o espasmo febril de um beijo apaixonado como o cheiro de um bolo quente serpenteando por aí.
Quis te dizer de tudo isso, por que sei que hoje estás em boas mãos. Se teu amor hoje te dá o de comer com as próprias mãos é por ser homem de bem - e fico feliz que o seja, por que mereces. Por que és simplesmente linda, leve e perfeita.
Se não estamos juntos - e se não ficaremos - é por que talvez tenha faltado um ou outro ingrediente, mesmo que tenha sobrado, exageradamente, amor.
terça-feira, 22 de maio de 2012
sábado, 19 de maio de 2012
Não seguiam carreira
Era ele menino sentado no chão do quarto quando ouviu o som das patas dos cavalos. Eram eles senhores e vinham de-adiante, de-bem-depois, de umas setenta braças além do milharal. Era verão.
Correu mesmo descalço pelo chão da casa, de um taboão velho e carcomido, engordurado de cera. Serviam as três horas da tarde de um sábado.
A casa urrava. Urrava de tão vazia. Menino debruçou-se tímido na guarda da janela e esperou os senhores chegarem. Senhores que eram, e tinham armas.
Foram diminuindo o passo à medida que chegavam a casa, e foi dali que menino viu, sem dúvida, tratar-se de uns quantos homens - mais do que imaginara de início.
Os quatro primeiros vinham em fila, os de trás não seguiam carreira.
Menino fechou rápido a janela, e se fazendo valer de uma tranca de pau, atravessou cadeado nas toras, passando corrente nas guardas. Suava frio. Voltou ao quarto correndo e, trancando a porta, escondeu-se embaixo da cama. Fervia. Enquanto isso o assoalho trincava e estalava sozinho - essas coisas de madeiras e ventos. Menino, então, esperou darem as horas.
Capitanearam a casa e o cocho. Cercaram árvores e quintal. Banharam-se da sombra madrinha de uma mangueira. Mas dali não se ouviu voz nem assovio. Nem grito e nem canção. A casa ali, como se desse companhia.
Dali, nem à dois metros pra dentro se puseram - era como a proibição velada de uma lei falsa. Não houve quem cogitasse adentrar. Antes de tudo, e ao final de nada, era sinal de respeito. Daquelas coisas, tipo verdades. Verdades que nunca precisaram ser ditas - já se nascia sabendo.
Quietude infante dentro da casa, suava frio e sentia contorcer a barriga. Enrijecia os tornozelos, os punhos e as mãos. No que triscasse, quebravam. Era de um silêncio ivejável.
Menino não nos pôde contar com certeza, anos depois, o que acontecera. Imaginou o que agora lhes conto. Por que a uma se passaram as coisas pelo lado de fora; e, a duas, de tudo o que se passou só lhe chegaram os sons.
Dizem que um dos senhores que vinha pelas frentes, um dos 4 em fila, apagando um cigarro levantou da sombra e foi na direção da casa. Sob o olhar condenante dos demais, tapeou o chapéu pra cima e bateu quatro palmas sem pressa, dizendo em direção à porta um Oh, de casa!
E foi esta mesma boca de um singelo Oh, de casa!, a que sentiu o primeiro tiro rasgar-lhe os bigodes, rachando de cinco a seis dentes, vindo o tiro a sair pela bochecha. Este tiro, o primeiro, correra do milharal, de onde uns quantos em dobro dos demais dali já se levantavam e faziam despejar sobre os cavalarianos uma chuva de tiros. Não houve reação. Do primeiro ao último instante não piscariam mais de cinco vezes.
Então saí debaixo da cama, abri a porta do quarto, corri para a janela e fiquei esperando um sinal. No que mandaram, abri as portas e janelas, escancarei tudo sem medo, sem dó, com pressa. Tinha sede e calor. Olhei ao monte de corpos espalhados no chão, enchi os pulmões de ar e voltei ao quarto ler e explicar as histórias de Macondo aos meus soldadinhos de chumbo.
terça-feira, 15 de maio de 2012
Labirinto
Fui e tive de ir buscar em mim mesmo o sentido de coisa. O sentido de conceitos.
Senti e quis querer trazer de volta um café da manhã servido em forma de alumínio, amassada, coberta com um pano de prato bem velhinho. E fazia chá, café e bolo. Suco não tinha. Dinheiro.
Domingos.
E era só para vê-la sorrir. Não era de esperar outras coisas.
Não havia, ainda, as gavetas. Não havia, ainda, os surtos, as verdades, as delícias de se conhecer a tristeza e o trauma profundos. Tudo fazia sentido. Deliciosamente, fazia sentido.
A vida era o resumo do cheiro doce das árvores da primavera ao descer do ônibus e encantar-se. De passar horas no banho e, ao mesmo tempo, ver as meninas correndo pela rua.
Mas vieram as calamidades, a vida silente, as dores de agosto. Vieram as fraquezas e as expiações, puseram para fora todas as dores guardadas no peito por anos. A dor do abandono.
Enfim, nos perdemos.
Triste, hoje não lhe acho, mesmo sentindo seu sangue na minha veia.
Senti e quis querer trazer de volta um café da manhã servido em forma de alumínio, amassada, coberta com um pano de prato bem velhinho. E fazia chá, café e bolo. Suco não tinha. Dinheiro.
Domingos.
E era só para vê-la sorrir. Não era de esperar outras coisas.
Não havia, ainda, as gavetas. Não havia, ainda, os surtos, as verdades, as delícias de se conhecer a tristeza e o trauma profundos. Tudo fazia sentido. Deliciosamente, fazia sentido.
A vida era o resumo do cheiro doce das árvores da primavera ao descer do ônibus e encantar-se. De passar horas no banho e, ao mesmo tempo, ver as meninas correndo pela rua.
Mas vieram as calamidades, a vida silente, as dores de agosto. Vieram as fraquezas e as expiações, puseram para fora todas as dores guardadas no peito por anos. A dor do abandono.
Enfim, nos perdemos.
Triste, hoje não lhe acho, mesmo sentindo seu sangue na minha veia.
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