terça-feira, 22 de maio de 2012

cup hearts

Penso que nessas peças e chaves não temi coração. Explico: nessas peças que o destino, o qual não acredito, nessas peças que o destino me pregou, entre nós, como portas sem chaves, nunca temi o que me quis dizer o coração.
Não temi por que desde o sempre o sabia. Desde o sempre lhe ouvia e tinha certezas.

Mas veja que estes dias sorri por que lembrei que sempre soube: homens bons sabem cozinhar. Isto quer dizer, eu e você sabemos que as pessoas boas sabem cozinhar.
Antes de tudo, por que é de paciências e é de carinhos. É de intimidade com as coisas, frutas, águas e vinhos. Sal e açúcar. Um pouquinho de cada que faz o tudo - como um amor novo que antes era paixão. Translúcidos beijos como ingredientes, paciências e carinho fermentando. E o espasmo febril de um beijo apaixonado como o cheiro de um bolo quente serpenteando por aí.

Quis te dizer de tudo isso, por que sei que hoje estás em boas mãos. Se teu amor hoje te dá o de comer com as próprias mãos é por ser homem de bem - e fico feliz que o seja, por que mereces. Por que és simplesmente linda, leve e perfeita.

Se não estamos juntos - e se não ficaremos - é por que talvez tenha faltado um ou outro ingrediente, mesmo que tenha sobrado, exageradamente, amor.

sábado, 19 de maio de 2012

Não seguiam carreira


Era ele menino sentado no chão do quarto quando ouviu o som das patas dos cavalos. Eram eles senhores e vinham de-adiante, de-bem-depois, de umas setenta braças além do milharal. Era verão.
Correu mesmo descalço pelo chão da casa, de um taboão velho e carcomido, engordurado de cera. Serviam as três horas da tarde de um sábado.



A casa urrava. Urrava de tão vazia. Menino debruçou-se tímido na guarda da janela e esperou os senhores chegarem. Senhores que eram, e tinham armas.
Foram diminuindo o passo à medida que chegavam a casa, e foi dali que menino viu, sem dúvida, tratar-se de uns quantos homens - mais do que imaginara de início.
Os quatro primeiros vinham em fila, os de trás não seguiam carreira.



Menino fechou rápido a janela, e se fazendo valer de uma tranca de pau, atravessou cadeado nas toras, passando corrente nas guardas. Suava frio. Voltou ao quarto correndo e, trancando a porta, escondeu-se embaixo da cama. Fervia. Enquanto isso o assoalho trincava e estalava sozinho - essas coisas de madeiras e ventos. Menino, então, esperou darem as horas.


Capitanearam a casa e o cocho. Cercaram árvores e quintal. Banharam-se da sombra madrinha de uma mangueira. Mas dali não se ouviu voz nem assovio. Nem grito e nem canção. A casa ali, como se desse companhia.


Dali, nem à dois metros pra dentro se puseram - era como a proibição velada de uma lei falsa. Não houve quem cogitasse adentrar. Antes de tudo, e ao final de nada, era sinal de respeito. Daquelas coisas, tipo verdades. Verdades que nunca precisaram ser ditas - já se nascia sabendo.


Quietude infante dentro da casa, suava frio e sentia contorcer a barriga. Enrijecia os tornozelos, os punhos e as mãos. No que triscasse, quebravam. Era de um silêncio ivejável.


Menino não nos pôde contar com certeza, anos depois, o que acontecera. Imaginou o que agora lhes conto. Por que a uma se passaram as coisas pelo lado de fora; e, a duas, de tudo o que se passou só lhe chegaram os sons.


Dizem que um dos senhores que vinha pelas frentes, um dos 4 em fila, apagando um cigarro levantou da sombra e foi na direção da casa. Sob o olhar condenante dos demais, tapeou o chapéu pra cima e bateu quatro palmas sem pressa, dizendo em direção à porta um Oh, de casa!


E foi esta mesma boca de um singelo Oh, de casa!, a que sentiu o primeiro tiro rasgar-lhe os bigodes, rachando de cinco a seis dentes, vindo o tiro a sair pela bochecha. Este tiro, o primeiro, correra do milharal, de onde uns quantos em dobro dos demais dali já se levantavam e faziam despejar sobre os cavalarianos uma chuva de tiros. Não houve reação. Do primeiro ao último instante não piscariam mais de cinco vezes.


Então saí debaixo da cama, abri a porta do quarto, corri para a janela e fiquei esperando um sinal. No que mandaram, abri as portas e janelas, escancarei tudo sem medo, sem dó, com pressa. Tinha sede e calor. Olhei ao monte de corpos espalhados no chão, enchi os pulmões de ar e voltei ao quarto ler e explicar as histórias de Macondo aos meus soldadinhos de chumbo.



terça-feira, 15 de maio de 2012

Labirinto

Fui e tive de ir buscar em mim mesmo o sentido de coisa. O sentido de conceitos.

Senti e quis querer trazer de volta um café da manhã servido em forma de alumínio, amassada, coberta com um pano de prato bem velhinho. E fazia chá, café e bolo. Suco não tinha. Dinheiro.
Domingos.
E era só para vê-la sorrir. Não era de esperar outras coisas.

Não havia, ainda, as gavetas. Não havia, ainda, os surtos, as verdades, as delícias de se conhecer a tristeza e o trauma profundos. Tudo fazia sentido. Deliciosamente, fazia sentido.

A vida era o resumo do cheiro doce das árvores da primavera ao descer do ônibus e encantar-se. De passar horas no banho e, ao mesmo tempo, ver as meninas correndo pela rua.

Mas vieram as calamidades, a vida silente, as dores de agosto. Vieram as fraquezas e as expiações, puseram para fora todas as dores guardadas no peito por anos. A dor do abandono.

Enfim, nos perdemos.

Triste, hoje não lhe acho, mesmo sentindo seu sangue na minha veia.