sábado, 20 de junho de 2009

Eu pensei que já tinha vivido de tudo.

Já tinha me apaixonado mais de uma vez, loucamente. Dessas vezes em que a gente, no meio de um beijo, tem vontade de chorar. Você já viveu isso? Vontade de chorar. De loucura, de estar apaixonado, de não saber o que se está sentindo. E vieram lágrimas, devagar. E eram daquelas que escolhem exatamente o canto da boca para cair na língua e você saber que o gosto da lágrima apaixonada é melhor do que mel.

Esse amor um dia acabou e eu então fui experimentar o inferno. Diariamente. Tentei morrer uma vez, embora a vontade tenha sido tentar várias, todos os dias. Cheguei a um ponto onde eu queria morrer mesmo, e como não tinha coragem de pôr fim a tudo de uma única vez, sem remorsos, resolvi morrer aos poucos. Fugi de todos e nessa fuga encontrei meus pares. Iguais a mim. Cada um com sua dor e sua fuga. Cada um com seu monstro. Conheci a droga, e era fantástico o prazer do proibido. Ainda mais porque já naquela época eu achava que já tinha vivido de tudo, que já havia vivido muito, aos vinte e poucos. Mas nem a droga me viciou. Eu era um canalha, que traía agora meu sistema nervoso.

Tive outras mulheres, claro. Mas eram outras. Passavam por mim na esperança de ter encontrado alguém ideal. Mas eu mentia. Mentia muito. Principalmente porque eu falava o que elas queriam ouvir. Eu criava a recitava poesias e mais poesias. De olhos fechados, as fazia voar, e nas nuvens eu as deixava me esperando. Já estava em outra.

Mas eu tenho que falar também que houve uma dessas mulheres que foi diferente. O problema é que era muito mais inteligente do que eu, que ainda achava que já tinha visto de tudo e não precisava de mais ninguém. Eu nunca a fiz voar, porque não conseguia, e tudo o que falava, fazia ou mostrava era pouco. Ela ficava no chão, estática, com cara de quem já viu tudo. Como eu. Essa mulher era um desafio, e todo amor é um desafio próprio, primeiro contra a própria vergonha de estar apaixonado, segundo pelo desafio de conquistar alguém sem que ela saiba disso tudo. Essa mulher me marcou. Ocorre que nunca nos vimos. Ocorre que cansei. Ocorre que a vida corre e eu me sentia inútil e tudo o que era gostoso naquele desafio todo, se tornou um quê indecifrável que eu precisava me livrar. Foi então que traí minha vontade pela segunda (ou terceira) vez. E a perdi com outra, que era então um desafio gostoso de curtir a vida presente, quente como o sexo violentamente apaixonante e molhado de suor. Eu, que achava que já tinha visto de tudo na vida.

Definitivamente, o que fiz a vida inteira, até aqui, foi me trair, trair minhas vontades, porque achava que já tinha visto de tudo, e tudo o que tinha visto já era demais cansativo. E eu queria voar, voar, mas já não tinha mais chão. Agora, ainda sem chão, caí em desgraça comigo mesmo. O problema agora, amigo Eu, é que não tenho mais a quem trair porque eu, que já achei um dia que sabia e tinha visto de tudo na vida, não tenho mais o que achar de mim, porque não me reconheço em mais nenhuma palavra.

Reconhecer-se é acreditar no que está fazendo. Acreditar é exibir, é dispor de algo que tem, e eu tenho pra mim que me sobrou, hoje, apenas a sensação de já ter visto de tudo, embora, quando te veja, depois de tanto tempo, ainda me reste um coração acelerado e uma vergonha infantil de aparecer e tudo no meu corpo conspirar contra minha vontade, me entregando que ainda te quero, que nada morreu e que ainda tenho muito a ver nesta vida.